Luiz Carlos Nogueira
Conforme entendimento da Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há incidência de contribuição
das Patrocinadoras de Entidades de Previdência Complementar, sobre Abono Único,
previsto em acordo coletivo, somente concedido pelos empregadores aos seus
empregados da ativa, não integrando, portanto, as aposentadorias complementares
pagas por essas Entidades, até porque tais abonos não são permanentes e não
incorporam aos salários dos empregados que ainda estão no trabalho ativo.
Conheça o inteiro teor da
decisão:
Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RECURSO ESPECIAL Nº 1.281.690 - RS (2011⁄0214298-4)
RELATOR
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MINISTRO ANTONIO CARLOS
FERREIRA
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RECORRENTE
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CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS
FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
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ADVOGADO
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GUILHERME DE CASTRO
BARCELLOS
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RECORRIDO
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DULCE LIAMAR SIEBEN E OUTRO
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ADVOGADO
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:
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JAIME FORTUNATO CERVO E
OUTRO(S)
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EMENTA
DIREITO
CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. ABONO ÚNICO PREVISTO EM
ACORDO COLETIVO OU CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. CLÁUSULA QUE CONTEMPLA,
PROVISORIAMENTE, OS TRABALHADORES EM ATIVIDADE. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA.
EXTENSÃO AOS INATIVOS INDEVIDA.
1.
Compete à Justiça comum estadual processar e julgar ação de complementação de
aposentadoria movida por participante em face de entidade privada de
previdência complementar, por cuidar-se de contrato de natureza civil.
Precedentes.
2.
O abono único previsto em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho
para os empregados da ativa não integra a complementação de aposentadoria dos
inativos, por interferir no equilíbrio econômico e atuarial da entidade de
previdência privada. Arts. 3º, parágrafo único, e 6º, § 3º, da Lei Complementar
n. 108⁄2001 e 68, caput, da Lei Complementar n. 109⁄2001.
3.
O abono único não é extensivo à complementação de aposentadoria paga a inativos
por entidade privada de previdência complementar.
4.
Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
A
Seção, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial para julgar
improcedente o pedido formulado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Massami Uyeda, Raul
Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausentes,
justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Sidnei Beneti.
Presidiu
o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Sustentou,
oralmente, a Dra. CARLA KLING HENAUT, pela RECORRENTE CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS
FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI.
Brasília-DF,
26 de setembro de 2012 (Data do Julgamento)
Ministro
ANTONIO CARLOS FERREIRA
Relator
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.281.690 - RS (2011⁄0214298-4)
RELATOR
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MINISTRO
ANTONIO CARLOS FERREIRA
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RECORRENTE
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CAIXA
DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
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ADVOGADO
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GUILHERME
DE CASTRO BARCELLOS
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RECORRIDO
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DULCE
LIAMAR SIEBEN E OUTRO
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ADVOGADO
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JAIME
FORTUNATO CERVO E OUTRO(S)
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RELATÓRIO
O
EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto, com
fundamento no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da CF,
contra acórdão do TJRS que, por considerar ter natureza remuneratória o
pagamento do abono único previsto em acordo coletivo para os empregados da
ativa do Banco do Brasil, estendeu-o a ex-empregado inativo, participante da
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI.
Sustentou
a recorrente, em síntese, que (e-STJ fls. 363⁄399):
a)
a matéria é de competência da Justiça do Trabalho, por versar sobre
julgamento de dissídio oriundo de norma coletiva de trabalho;
b)
o pedido é juridicamente impossível, porquanto, na condição de entidade fechada
de previdência complementar, patrocinada por sociedade de economia mista
federal, a recorrente está sujeita à Lei Complementar n. 108⁄2001, que, em seu
art. 3º, parágrafo único, veda o repasse aos benefícios "de ganhos de produtividade,
abono e vantagens de qualquer natureza";
c)
o abono único não integra o complemento de aposentadoria dos aposentados,
haja vista não ter natureza de salário;
d)
o negócio jurídico benéfico deve ser interpretado de modo estrito, sob pena de
negativa de vigência ao art. 114 do CC⁄2002;
e)
o art. 6º da Lei Complementar n. 108⁄2001 estabelece que o custeio do plano de
benefícios seja composto pelas contribuições dos participantes, incluindo as
dos aposentados;
f)
o acórdão recorrido ofendeu o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial,
pois, inexistindo a contribuição em época própria, não houve a formação de
reserva que garantisse o recálculo dos benefícios na forma pretendida, mesmo
porque eventual direito à cobrança de complementação já estaria alcançado pela
prescrição quinquenal; e
g)
o Tribunal de origem, ao dar-se competente para julgar a ação, divergiu do
entendimento do STF, do STJ e do TJSC, bem como, ao estender o abono único aos
proventos de complementação de aposentadoria dos inativos, contrariou o
entendimento de diversos tribunais estaduais.
Requereu,
ao final, fosse conhecido e provido o presente recurso, declarando-se a
incompetência da Justiça comum estadual para processar e julgar a ação, bem
como a inexistência do direito dos participantes inativos à percepção do abono
único previsto em norma coletiva para os trabalhadores em atividade.
Em
6⁄9⁄2012, ao apresentar o recurso especial para julgamento colegiado, a Quarta
Turma decidiu afetá-lo à Segunda Seção, considerando o voto-vista por mim
proferido no AgRg no REsp n. 1.293.221⁄RS, da relatoria do eminente Ministro
MARCO BUZZI, o qual reconsiderou seu voto e acompanhou a divergência,
referendada pelos demais componentes da Turma, para não conhecer do agravo
regimental do autor e dar provimento ao agravo regimental da entidade de
previdência privada e, por conseguinte, ao recurso especial por esta
interposto.
É
o relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.281.690 - RS (2011⁄0214298-4)
RELATOR
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:
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MINISTRO
ANTONIO CARLOS FERREIRA
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RECORRENTE
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CAIXA
DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
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ADVOGADO
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:
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GUILHERME
DE CASTRO BARCELLOS
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RECORRIDO
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:
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DULCE
LIAMAR SIEBEN E OUTRO
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ADVOGADO
|
:
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JAIME
FORTUNATO CERVO E OUTRO(S)
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EMENTA
DIREITO
CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. ABONO ÚNICO PREVISTO EM
ACORDO COLETIVO OU CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. CLÁUSULA QUE CONTEMPLA,
PROVISORIAMENTE, OS TRABALHADORES EM ATIVIDADE. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA.
EXTENSÃO AOS INATIVOS INDEVIDA.
1.
Compete à Justiça comum estadual processar e julgar ação de complementação de
aposentadoria movida por participante em face de entidade privada de
previdência complementar, por cuidar-se de contrato de natureza civil.
Precedentes.
2.
O abono único previsto em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho
para os empregados da ativa não integra a complementação de aposentadoria dos
inativos, por interferir no equilíbrio econômico e atuarial da entidade de
previdência privada. Arts. 3º, parágrafo único, e 6º, § 3º, da Lei Complementar
n. 108⁄2001 e 68, caput, da Lei Complementar n. 109⁄2001.
3.
O abono único não é extensivo à complementação de aposentadoria paga a inativos
por entidade privada de previdência complementar.
4.
Recurso parcialmente provido.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.281.690 - RS (2011⁄0214298-4)
RELATOR
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MINISTRO
ANTONIO CARLOS FERREIRA
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RECORRENTE
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CAIXA
DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
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ADVOGADO
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GUILHERME
DE CASTRO BARCELLOS
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RECORRIDO
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DULCE
LIAMAR SIEBEN E OUTRO
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ADVOGADO
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JAIME
FORTUNATO CERVO E OUTRO(S)
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VOTO
O
EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator): Primeiro, o Tribunal de origem não divergiu da
jurisprudência desta Corte quanto à competência da Justiça comum estadual para
processar e julgar a ação de complementação de aposentadoria movida por
participantes aposentados em face de instituição de previdência privada, uma
vez que o pedido e a causa de pedir advêm diretamente de contrato de natureza
civil, e não de pacto laboral.
Nesse
sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
"CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA TRABALHISTA. VÍNCULO DE NATUREZA
PREVIDENCIÁRIA. ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA. AUSENTE A DISCUSSÃO ACERCA DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
1.
Consoante jurisprudência remansosa deste Superior Tribunal de Justiça, é
competente a Justiça Estadual para processar e julgar ação em que o pedido e a
causa de pedir decorram de pacto firmado com instituição de previdência
privada, tendo em vista a natureza civil da contratação, envolvendo tão-somente
de maneira indireta os aspectos da relação laboral, entendimento que não foi
alterado com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45⁄2004.
2.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 5ª Vara
Cível de Santos⁄SP".
(CC
n. 116.228⁄SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
28⁄9⁄2011, DJe 3⁄10⁄2011).
"AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA. JULGAMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NOTÓRIA. EXIGÊNCIAS FORMAIS AFASTADAS.
1.
É de competência da justiça comum estadual o julgamento de ações de cobrança de
complementação de aposentadoria movida por segurado em desfavor de instituição
de previdência privada.
2.
Em caso de notória divergência interpretativa, devem ser mitigadas as
exigências de natureza formal, tal como o cotejo analítico.
3.
Agravo regimental desprovido".
(AgRg
no Ag n. 1.279.923⁄MG, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA,
julgado em 17⁄5⁄2011, DJe 7⁄6⁄2011).
Segundo,
discute-se o direito de ex-empregados, inativos, a incorporarem a seus
proventos de aposentadoria complementar o abono único instituído para os
trabalhadores da ativa por meio de norma coletiva de trabalho.
Na
questão posta nos autos, os signatários da negociação coletiva - o BANCO DO
BRASIL S.A., a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS - CNTIF e os SINDICATOS DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS
BANCÁRIOS - decidiram estabelecer o pagamento do abono único somente para os
empregados da ativa.
O
Tribunal de origem entendeu, porém, que o abono único "é verba de caráter
remuneratório e, como tal, deve ser estendido aos inativos, garantia
constitucional atinente à isonomia, ou seja, o tratamento igualitário quanto à
remuneração percebida pelos funcionários da ativa, a qual deve incorporar o
benefício complementar decorrente da previdência privada pactuada" (e-STJ
fls. 281⁄282).
A
esse respeito, entendo que o acórdão recorrido merece reforma, pois, em que
pese o entendimento reiterado de ambas as Turmas que compõem a SEGUNDA SEÇÃO
desta Corte, o caso concreto reflete a dinâmica e a interdisciplinaridade da
matéria, ultrapassando, a meu ver, a mera interpretação de cláusulas
contratuais e o revolvimento de matéria fático-probatória, ou seja, a
incidência das Súmulas ns. 5 e 7 do STJ, devendo-se, em interpretação
extensiva, homenagear a vontade dos signatários da norma coletiva e preservar o
equilíbrio econômico e atuarial da entidade de previdência privada.
Para
tanto, registre-se que, na legislação brasileira, o abono foi instituído pelo
Decreto-Lei n. 3.813, de 10 de novembro de 1941, cujo artigo único dispunha:
"Os
aumentos de salários que, no prazo de seis meses contados da publicação deste
decreto-lei, forem, por iniciativa própria, concedidos pelos empregadores a
seus empregados, serão considerados como abonos quer para os eleitos da lei n.
62, de 5 de junho de 1935, e demais disposições referente à estabilidade
econômica dos trabalhadores, quer para os descontos previstos em leis de
previdência social, não se incorporando aos salários ou outras vantagens já
percebidas".
Os
abonos encerravam a finalidade primordial de, em caráter provisório, preservar
o salário ante a elevação do custo de vida - a chamada "carestia" -
tanto que o referido Decreto-lei consignou expressamente que esses
"aumentos" não se incorporariam "aos salários ou outras
vantagens já percebidas".
Após
consecutivas prorrogações, o Decreto-Lei n. 3.813⁄1941 foi revogado pela Lei n.
1.909, de 1º de janeiro de 1953.
Nesse
interregno, inúmeras modalidades de abono foram criadas no ambiente legislativo
nacional.
Adverte
a moderna doutrina que a expressão "abono" costuma gerar
interpretações diversas. Há aqueles que defendem ser o abono integrante do
salário, por força do disposto no art. 457, § 1º, da CLT ("Integram o
salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões,
percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo
empregador"), ao passo que outros argumentam que, para se identificar a
natureza jurídica de determinado abono, devem ser analisados os aspectos
substanciais do pagamento, e não a sua pura e simples denominação (NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 896⁄897).
Ademais,
a remuneração, o salário e a indenização são, como se
sabe, conceitos doutrinários distintos.
A remuneração
corresponde ao conjunto de pagamentos recebidos com habitualidade pelo
empregado, em dinheiro ou em utilidades, efetuados pelo empregador ou por
terceiros, em decorrência da prestação de serviços oriundos do contrato de
trabalho, com vistas a atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua
família.
Integrando
a remuneração, o salário é o pagamento continuado, fornecido diretamente
ao obreiro pelo empregador em razão do contrato laboral. É uma contraprestação
do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou
das demais hipóteses previstas na legislação.
A indenização,
por outro lado, não se confunde com verba remuneratória nem salarial, sendo
forma de recomposição do patrimônio ou bem jurídico da pessoa, cujo pagamento
se dá, em regra, em única parcela. É a definição em que mais se enquadra o
abono único.
Antes
da EC n. 20⁄98, a doutrina majoritária entendia que os planos de benefícios
integravam os contratos de trabalho dos participantes, visto que tais
prestações eram conferidas exclusivamente aos empregados de uma empresa ou
grupo de empresas patrocinadoras. Os benefícios derivavam da relação de
emprego, e não do contrato previdenciário (BALERA, Wagner (Coord). Comentários
à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 301⁄302).
Entretanto,
com o advento da EC n. 20⁄98, inseriu-se, no art. 202 da CF, o atual § 2º, cuja
redação é a seguinte:
"As
contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas
nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência
privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à
exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos
participantes, nos termos da lei".
O
texto constitucional passou a ser claro no sentido de que as relações de
trabalho são distintas das relações de previdência privada. Aquelas são
mantidas entre empregado e empregador. Estas são estabelecidas entre
participantes ou beneficiários e as entidades de previdência privada.
Por
meio de uma incursão interdisciplinar, sem qualquer pretensão de adentrar matéria
constitucional ou trabalhista, pode-se dizer que, na valorização do acordo
coletivo e da convenção coletiva - fontes autônomas do direito laboral -
deve-se levar em conta a supremacia da norma coletiva, consectária da autonomia
privada coletiva, amplamente consagrada pela Constituição de 1988 (arts.
7º, VI, XIII, XIV e XXVI, e 8º, VI), expressando o intento do constituinte em
estimular a negociação de melhores condições e de normas que, na prática,
reflitam a dinâmica das relações de trabalho.
O
próprio TST tem sedimentado sua jurisprudência no sentido de que, se houver
previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho referente à natureza
indenizatória de determinada composição, deverá ser considerado o disposto em
tal norma coletiva, a qual goza de reconhecimento pelo art. 7º, XXVI, da CF.
Assim
é que, no tocante à extensão do abono único previsto em negociação coletiva de
trabalho aos inativos, hipótese do caso concreto, o entendimento do TST vem
explícito na Orientação Jurisprudencial n. 346, da Seção de Dissídios
Individuais I:
"346.
ABONO PREVISTO EM NORMA COLETIVA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CONCESSÃO APENAS AOS
EMPREGADOS EM ATIVIDADE. EXTENSÃO AOS INATIVOS. IMPOSSIBILIDADE (DJ
25.04.2007).
A
decisão que estende aos inativos a concessão de abono de natureza jurídica
indenizatória, previsto em norma coletiva apenas para os empregados em
atividade, a ser pago de uma única vez, e confere natureza salarial à parcela,
afronta o art. 7º, XXVI, da CF⁄1988".
A
propósito, confiram-se, dentre inúmeros, os seguintes julgados da Corte
Laboral:
"RECURSO
DE REVISTA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. BASA. CAPAF. ABONO. ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL Nº 346 DA SBDI-1. Em conformidade com a jurisprudência deste
Tribunal, o abono salarial pago aos funcionários da ativa se reveste de
natureza indenizatória, não sendo devido aos aposentados por força do que fora
estipulado em dissídio coletivo. Aplicação da Orientação Jurisprudencial 346 da
SBDI-1. A
decisão do Tribunal Regional está em consonância com a iterativa e atual
jurisprudência desta Corte. Incidência do parágrafo 4º do artigo 896 e da
Súmula nº 333 do TST. Recurso de revista não conhecido".
(RR
n. 68000-95.2006.5.08.0001, Relator Ministro EMMANOEL PEREIRA, QUINTA TURMA,
julgado em 1º⁄9⁄2010, DEJT 10⁄9⁄2010).
"AGRAVO
DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - ABONO PREVISTO EM NORMA COLETIVA -
NATUREZA INDENIZATÓRIA - CONCESSÃO APENAS AOS EMPREGADOS EM ATIVIDADE -
EXTENSÃO AOS APOSENTADOS - IMPOSSIBILIDADE. Tratando-se de abono previsto em
norma coletiva, com expressa natureza indenizatória, concedido apenas aos
empregados em atividade e pago em única parcela, impossível a sua extensão aos
inativos. Neste exato sentido é a redação da Orientação Jurisprudencial nº 346
da SBDI-1 do TST. Agravo de instrumento desprovido".
(AIRR
n. 167241-09.2006.5.20.0001, Relator Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO
FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 1º⁄9⁄2010, DEJT 10⁄9⁄2010).
A
SEGUNDA SEÇÃO desta Corte, ao apreciar o REsp n. 1.023.053⁄RS (Relatora
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, julgado em 23⁄11⁄2011, DJe 16⁄12⁄2011),
modificou seu entendimento quanto à natureza jurídica do auxílio
cesta-alimentação estabelecido em acordo ou convenção coletiva de
trabalho, fundamentado na Lei n. 6.321⁄1976, concluindo que essa parcela,
destituída de natureza salarial, não integra a complementação de aposentadoria.
O
referido acórdão está assim ementado:
"RECURSO
ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. AUXÍLIO
CESTA-ALIMENTAÇÃO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO
TRABALHADOR - PAT. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA.
1.
Compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios instaurados entre
entidade de previdência privada e participante de seu plano de benefícios.
Precedentes.
2.
O auxílio cesta-alimentação estabelecido em acordo ou convenção coletiva de
trabalho, com amparo na Lei 6.321⁄76 (Programa de Alimentação do Trabalhador),
apenas para os empregados em atividade, não tem natureza salarial, tendo sido
concebido com o escopo de ressarcir o empregado das despesas com a alimentação
destinada a suprir as necessidades nutricionais da jornada de trabalho. Sua
natureza não se altera, mesmo na hipótese de ser fornecido mediante tíquetes,
cartões eletrônicos ou similares, não se incorporando, pois, aos proventos de
complementação de aposentadoria pagos por entidade de previdência privada (Lei
7.418⁄85, Decreto 5⁄91 e Portaria 3⁄2002).
4.
Recurso especial não provido".
Por
analogia, assim como o auxílio cesta-alimentação estabelecido em norma coletiva
para os empregados em atividade não possui natureza salarial e, portanto, não
se incorpora aos proventos de complementação de aposentadoria complementar
pagos aos inativos, idêntico raciocínio presta-se ao abono único, que,
destituído de habitualidade e pago em parcela única, é verba de natureza não
remuneratória.
Cumpre,
a propósito, reproduzir o seguinte trecho do percuciente voto de Sua
Excelência:
"O
exame da legislação específica que rege as entidades de previdência privada e
suas relações com seus filiados (art. 202 da CF e suas Leis Complementares 108
e 109, ambas de 2001) revela que o sistema de previdência complementar
brasileiro foi concebido, não para instituir a paridade de vencimentos entre
empregados ativos e aposentados, mas com a finalidade de constituir reservas
financeiras, a partir de contribuições de filiados e patrocinador, destinadas a
assegurar o pagamento dos benefícios oferecidos e, no caso da complementação de
aposentadoria, proporcionar ao trabalhador aposentado padrão de vida próximo ao
que desfrutava quando em atividade, com observância, todavia, dos parâmetros
atuariais estabelecidos nos planos de custeio, com a finalidade de manutenção
do equilíbrio econômico e financeiro.
Para
atender a esse objetivo, o art. 3º, parágrafo único, da Lei Complementar
108⁄2001, embora estabeleça que o regulamento da entidade definirá o critério
de reajuste da complementação de aposentadoria, veda expressamente
"o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de quaisquer
natureza para tais benefícios". O art. 6º, por sua vez, determina que
"o custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador
e dos participantes, inclusive assistidos".
As
entidades fechadas de previdência privada têm, pois, por função administrar os
recursos das contribuições dos participantes, assistidos e patrocinador,
constituindo reservas financeiras aptas a garantir os pagamentos previstos nos
planos de benefícios, motivo pelo qual o patrimônio decorrente da participação
dos filiados e patrocinador, acumulado sob o regime de capitalização,
destina-se não à livre gestão das referidas entidades, mas aos compromissos
estabelecidos no plano de benefícios, o que se traduz na sua
"independência patrimonial" atribuída pela LC 109⁄2001 (art. 34, I,
"b"), com a precisa finalidade de conferir maior proteção ao
patrimônio destinado a custear benefícios de longo prazo".
Retomando
o caso concreto, as negociações coletivas celebradas não suprimiram vantagens
dos inativos, mas, tão somente, não lhes estenderam o abono único, concedendo-o
apenas aos empregados da ativa.
É
o que se infere dos Acordos Coletivos de Trabalho 2003⁄2004, 2004⁄2005 e
2005⁄2006, celebrados entre o BANCO DO BRASIL S.A., a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - CNTIF e os SINDICATOS DOS
EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS, nos quais os signatários pactuaram o
pagamento, "em parcela única", da "indenização de
abono único", "desvinculada do salário e de caráter
excepcional e transitório", aos "funcionários da ativa ou
afastados por doença, acidente de trabalho ou licença-maternidade", à
exceção daqueles "com contrato de trabalho suspenso ou em situação de
abandono de emprego", ficando expresso que referida verba "não
tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos,
nem se lhe aplica o princípio da habitualidade" (e-STJ fls. 14⁄17).
Aliás,
o Acordo Coletivo de Trabalho, aditivo à Convenção Coletiva de Trabalho
2005⁄2006, em sua cláusula 48ª (quadragésima oitava), atentou até mesmo para a
extensão do abono único ao empregado que, em virtude de afastamento, não fez
jus à indenização, contanto que, dentro do período de vigência da referida
Convenção, retornasse à atividade, contemplando, ainda, aquele "dispensado
sem justa causa a partir de 02.08.2005" (e-STJ fl. 17).
Desse
modo, se o próprio TST entende que o abono único pactuado em norma coletiva tem
natureza indenizatória e não integra a remuneração dos trabalhadores da ativa,
tampouco poderá a Justiça não especializada conceder a incorporação do referido
abono à complementação de aposentadoria dos inativos da categoria.
Até
porque, seguida à característica da facultatividade, pode-se dizer que a
contratualidade é a segunda ordem lógica pela qual a previdência
complementar privada deve ser entendida.
A
previdência privada é de índole contratual, criada e organizada pela autonomia
da vontade dos interessados, porque é independente do regime geral e reflete o
livre arbítrio dos contratantes.
A
lei delineará os elementos extrínsecos do negócio jurídico previdenciário, mas
deixará "ao talante das partes a manifestação da vontade contratual que
afeiçoa o arquétipo genérico legalmente estabelecido ao querer que justificou a
avença" (BALERA, Wagner. Op. cit., p. 20).
O
contrato coletivo, como qualquer outro contrato, ao ser interpretado, deve
observar a intenção das partes que o firmaram, pois, se estas convencionaram e
reduziram a termo o pactuado, é porque depositaram a sua confiança no sentido
de que o pacto será respeitado (pacta sunt servanda), conjuntura que tem
a função de pacificar as relações jurídicas.
Ademais,
a PREVI não participou dos referidos instrumentos coletivos, razão pela qual
não se deve estender a ela obrigação que sequer as partes contratantes
convencionaram.
Logo,
a inclusão de despesas com inativos não previstas na negociação coletiva e não
contidas previamente na planificação econômica da entidade de previdência
privada acarretará prejuízo financeiro e atuarial, comprometendo a cobertura
dos compromissos assumidos pela referida entidade e sua própria gestão.
Nesse
particular, vedando despesas adicionais além das previstas no plano de custeio,
dispõem, respectivamente, os arts. 3º, parágrafo único, e 6º, § 3º, da Lei
Complementar n. 108⁄2001, que rege as relações de patrocínio de previdência
complementar mantida por entes públicos, suas autarquias, fundações, sociedades
de economia mista e outras entidades públicas:
"Art.
3º Observado o disposto no artigo anterior, os planos de benefícios das
entidades de que trata esta Lei Complementar atenderão às seguintes regras:
(...)
Parágrafo
único. Os reajustes dos benefícios em manutenção serão efetuados de acordo com
critérios estabelecidos nos regulamentos dos planos de benefícios, vedado o
repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para
tais benefícios".
"Art.
6º O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e
dos participantes, inclusive assistidos.
(...)
§
3º É vedado ao patrocinador assumir encargos adicionais para o financiamento
dos planos de benefícios, além daqueles previstos nos respectivos planos de
custeio".
Por
sua vez, o art. 68, caput, da Lei Complementar n. 109⁄2001, que
disciplina, em caráter geral, sobre o sistema de previdência complementar,
reproduzindo o supracitado § 2º do art. 202 da CF, estabelece que as
contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos
nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência
complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, bem como, à
exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos
participantes, ou seja, a previdência privada não se confunde com
salário-utilidade.
In
casu, se a norma coletiva -
instrumento reconhecido pelo art. 7º, XXVI, da CF - contemplou os empregados da
ativa com o denominado abono único, a incorporação dessa parcela aos proventos
de complementação de aposentadoria dos inativos violará o princípio da
autonomia privada coletiva, bem como os arts. 3º, parágrafo único, e 6º, § 3º,
da Lei Complementar n. 108⁄2001 e 68, caput, da Lei Complementar n.
109⁄2001.
Por
fim, a extensão do abono único aos ex-empregados inativos sem que hajam
contribuído para este fim ocasionaria o inevitável abalo do plano de custeio da
ora recorrente, por meio do qual se definem as contribuições necessárias para a
estrutura da constituição de reservas, fundos, previsões e despesas referentes
ao adimplemento dos benefícios e à gestão da própria entidade de previdência
privada.
Assim,
o abono único previsto em norma coletiva para empregados em atividade não
integra a complementação de aposentadoria dos ex-empregados inativos
beneficiários da entidade fechada de previdência privada.
Ante
o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial, para julgar improcedente
o pedido formulado.
Custas
pela parte vencida e honorários fixados no valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais).
É
como voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO
SEGUNDA
SEÇÃO
Número
Registro: 2011⁄0214298-4
|
PROCESSO ELETRÔNICO |
REsp
1.281.690 ⁄ RS
|
Números
Origem: 10800018149 70039540158 70040814790
70041752759 70044248458
PAUTA:
26⁄09⁄2012
|
JULGADO:
26⁄09⁄2012
|
Relator
Exmo.
Sr. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
Presidente
da Sessão
Exmo.
Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral
da República
Exmo.
Sr. Dr. WASHINGTON BOLÍVAR DE BRITTO JÚNIOR
Secretária
Bela.
ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
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:
|
CAIXA
DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
|
ADVOGADO
|
:
|
GUILHERME
DE CASTRO BARCELLOS
|
RECORRIDO
|
:
|
DULCE
LIAMAR SIEBEN E OUTRO
|
ADVOGADO
|
:
|
JAIME
FORTUNATO CERVO E OUTRO(S)
|
ASSUNTO:
DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Previdência privada
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Sustentou,
oralmente, a Dra. CARLA KLING HENAUT, pela RECORRENTE CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS
FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI.
CERTIDÃO
Certifico
que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A
Seção, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial para julgar
improcedente o pedido formulado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os
Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Massami Uyeda, Raul
Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausentes,
justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Sidnei Beneti.
Presidiu
o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Documento: 1181954
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Inteiro Teor do Acórdão
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- DJe: 02/10/2012
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